A Polícia angolana (do MPLA) dispersou hoje com tiros e lançamento de gás lacrimogéneo uma manifestação de estudantes que protestavam em Luanda contra a subida do custo das propinas e emolumentos nas instituições de ensino, uma marcha que começou de forma pacífica.
O “elevado” preço das propinas e emolumentos nas instituições públicas e privadas e “falta de qualidade no ensino” foram alguns dos propósitos da manifestação promovida este sábado, em Luanda, pelo Movimento dos Estudantes Angolanos (MEA).
Mais de 250 estudantes e membros da sociedade civil concentraram-se no Largo das Heroínas, local onde antes do início da marcha os estudantes expulsaram o presidente do Conselho Nacional da Juventude (CNJ), Isaías Kalunga, que teve de sair escoltado ante a “fúria” dos jovens.
“Kalunga fora” era o grito de protesto contra a presença do líder do CNJ (reconhecida sucursal do MPLA) que não escapou, inclusive, a uma garrafa de água que foi lançada contra si pelas costas.
Sob olhar e protecção policial, a marcha teve início pontualmente, às 13 horas, e enquanto os manifestantes percorriam a chamada Avenida Ho Chi Min (em homenagem, provavelmente, a um histórico militante do MPLA nascido em 1890 no Vietname) entoavam palavras de ordem como “a educação é um direito e não deve ser vendida” ou “não matem o sonho da juventude, estudar é um direito”.
Com várias paragens ao longo do percurso, a marcha contornou o largo 1º de Maio, mas foi à entrada da rua Nicolau Gomes Spencer que os ânimos dos manifestantes se alteraram, uma vez que uns pretendiam marchar até à sede do Ministério das Finanças e outros até ao largo dos Ministérios, a 500 metros, onde seria lido um “manifesto”.
O aumento da tensão levou a Polícia a reforçar no local o seu efectivo, com agentes da Polícia de Intervenção Rápida e da brigada canina, com os estudantes a romperem o primeiro cordão policial, mas não conseguindo transpor o segundo cordão.
A Polícia ainda tentou apaziguar os ânimos de alguns manifestantes insatisfeitos pela alteração do percurso da marcha, mas acabou por dispersá-los “apaziguados” tiros e lançamento de gás lacrimogéneo, causando o pânico entre manifestantes e transeuntes. Naquele momento o trânsito parou, alguns manifestantes não escaparam à carga policial e outros foram detidos.
O MEA promoveu a marcha também para “exigir a revogação” do Decreto Presidencial 124/20 de 4 de Maio, que agrava a subida dos preços das propinas e emolumentos nas instituições de ensino, certamente por o país atravessar uma excelente fase económica, financeira e social.
“Viemos reivindicar para que o Governo revogue o novo decreto por ser um perigo para a sociedade angolana, porque a maior parte dos jovens se encontram desempregados”, disse o estudante Luís Manuel, em declarações à Lusa. Sobre esta matéria, tal como faz há 45 anos, o MPLA tem a mais assertiva explicação que, aliás, poderá vir até a merecer a criação de uma nova categoria do Prémio Nobel: “Só está desempregado quem não tem… emprego”.
A frequentar o 2.º ano do curso de Direito, numa instituição privada, o estudante considerou também que o referido decreto “viola a gratuidade do ensino”. “Exigimos também melhor qualidade de ensino e a implementação da merenda escolar, como prevê a Lei de Base do Ensino”, acrescentou.
Para Dumilton Silvestre, estudante de Engenharia de Minas na UAN – Universidade Agostinho Neto (a maior universidade pública angolana cujo patrono foi o primeiro Presidente de Angola e o autor do genocídio de milhares de angolanos nos massacres de 27 de Maio de 1977), o aludido decreto presidencial “agravou” o preço das provas de recurso de 1.500 kwanzas (2 euros) para 5.000 kwanzas (6,3 euros).
“Mas agora houve uma subida exponencial do recurso para 5.000 kwanzas. Atendendo a que a maior parte da população vive abaixo da linha da pobreza, fazer o ensino superior aqui em Angola é um tremendo sacrifício”, lamentou.
“Então, vim aqui para me manifestar a fim de que o Governo pudesse velar por isso, porque nunca devemos admitir uma subida assim exponencial”, referiu o estudante universitário.
Também Teresa Luther King “repudiou” o decreto que aprova o pagamento de propinas, taxas e emolumentos nas instituições públicas de ensino, afirmando que “o Estado deve parar de matar a vontade dos jovens pobres”.
Segundo a estudante angolana, muitos jovens no país “estão a ver os seus sonhos frustrados” em consequência das disposições do decreto que “penaliza, sobretudo, as famílias de baixa renda”.
“É preciso que se criem políticas que vão de acordo à nossa realidade social, também merecemos sonhar”, defendeu Teresa Luther King antes do início da marcha, que posteriormente foi dispersada pela polícia.
A Polícia informou que deteve três manifestantes mas que foram libertados pouco depois. A informação foi transmitida pelo porta-voz do Comando Provincial da Polícia em Luanda, inspector-chefe Nestor Goubel, que disse que os efectivos da polícia agiram para “repor os pressupostos acordados” com os organizadores sobre o percurso da marcha.
A Polícia (do MPLA) acredita que estes jovens estão a ser manipulados por estrangeiros (infiltrados na direcção de partidos da oposição), sendo que muitos dos manifestantes poderiam ser também estrangeiros, razão pela qual alguns dos polícias presentes (genuinamente angolanos como o MPLA pode atestar) diziam para os jovens: “Vão protestar para a vossa terra”.
Folha 8 com a Lusa